‘Pejotização’: o que a nova decisão do STF muda para o trabalhador PJ?

Ministro Gilmar Mendes pausou a tramitação de todos os processos sobre o tema no país, até que o Supremo firme um entendimento que deverá ser observado por todos os tribunais. Nova decisão do STF pode afetar trabalhadores que atuam como pessoa jurídica (PJ)
Sigmund/Unsplash
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu na semana passada a tramitação de todos os processos que discutem a legalidade da chamada "pejotização" no Brasil.
À primeira vista, a medida afeta apenas trabalhadores e empresas com ações sobre o tema na Justiça. No entanto, dependendo da decisão, pode contribuir para grandes mudanças nas relações de trabalho no país.
Veja abaixo cinco perguntas e respostas para entender o que está em jogo.
O que é pejotização?
Por que o STF suspendeu os processos sobre o tema?
Por que a pejotização pode ser considerada ilegal?
O que muda na prática para os trabalhadores PJ e CLT?
A discussão também afeta entregadores e motoristas de app?
Pejotização: como fica o trabalhador
1. O que é pejotização?
De acordo com o STF, pejotização é quando uma empresa contrata um trabalhador autônomo ou pessoa jurídica (PJ), como um microempreendedor individual (MEI), para prestar serviços regulares para ela.
Esse tipo de contrato é comum em setores como representação comercial, corretagem de imóveis e tecnologia da informação, entre outros.
Para muitos órgãos trabalhistas, no entanto, a pejotização ocorre quando a empresa passa a tratar o prestador de serviços como empregado, fazendo-o cumprir todas as regras que configuram uma relação de trabalho, conforme a lei.
🔎 Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), considera-se “empregado” toda pessoa que trabalha de forma regular para alguém ou uma empresa, recebendo salário e seguindo ordens do empregador.
Funcionários com carteira assinada têm direitos trabalhistas assegurados pela lei, como férias remuneradas, auxílio-transporte, 13º salário e FGTS, o que não é uma exigência nos contratos de prestação de serviço.
Assim, o ideal é que os trabalhadores PJ tenham autonomia e sejam cobrados apenas pela entrega do serviço, sem a exigência de cumprir um horário específico, participar de reuniões internas e seguir ordens do chefe da empresa contratante, explica Denison Leandro, sócio do escritório Denison Leandro Advogados Associados.
“No caso da pejotização, o trabalhador tem que abrir uma empresa no nome dele e prestar serviço. Mas, às vezes, o CLT e PJ fazem a mesma coisa, estão no mesmo grupo do WhatsApp, respondem para mesma gerência”, afirma o especialista.
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2. Por que o STF suspendeu os processos sobre o tema?
O ministro Gilmar Mendes suspendeu os processos sobre pejotização até que o STF profira uma decisão que deverá ser observada por todos os tribunais do país ao julgarem casos semelhantes.
Segundo ele, o STF já tem um entendimento firmado sobre o tema, mas a Justiça do Trabalho tem descumprido essa orientação, o que vem sobrecarregando o Supremo com uma série de reclamações contra as decisões no âmbito trabalhista.
Para o STF, a situação é a seguinte:
Em 2018, após a reforma trabalhista, o Plenário considerou, por sete votos a quatro, “lícita a terceirização entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas”.
Até então, só era permitido que uma empresa terceirizasse atividades-meio, ou seja, não ligadas à sua função principal. Uma fábrica de chocolates, por exemplo, poderia terceirizar os serviços de limpeza do prédio, mas não a produção de chocolates em si.
Apesar de a tese não tratar especificamente de pejotização, o Supremo tem usado esse entendimento para derrubar decisões da Justiça do Trabalho que identificaram fraudes trabalhistas em contratos de PJ.
O STF tem entendido que, se o trabalhador ganhar bem e for esclarecido sobre a sua forma de trabalho, é válida a contratação de um funcionário como PJ, mesmo quando preenchidos os vínculos de emprego, explica a advogada trabalhista Volia Bomfim, sócia do escritório GM Advogados & Volia Bomfim.
Para o Supremo, “você teve autonomia para escolher”, acrescenta a advogada trabalhista Renata Olandim, do escritório Machado Meyer. “A gente sabe que por trás disso tem muita coisa: ‘Preciso alimentar a minha família’, ‘foi o que eu consegui’. Mas, nos termos de validade do contrato, você livremente optou por prestar seus serviços por meio de PJ”, explica.
Pejotização: a discussão no STF
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3. Por que a pejotização pode ser considerada ilegal?
A Justiça do Trabalho tem entendido, em suas decisões, que pejotização e terceirização são coisas diferentes. Por isso, diz que o STF não deveria utilizar a sua tese de 2018 sobre terceirização para decidir sobre a legalidade da pejotização.
➡️ Na terceirização, há uma empresa intermediária entre o contratante e o funcionário, que arca com os custos e garante os direitos do trabalhador terceirizado.
➡️ Já na pejotização, o próprio funcionário é a empresa (PJ). É ele quem deve se responsabilizar pelos custos do negócio e pelos seus direitos previdenciários, abrindo um MEI, por exemplo.
Até por isso, o ideal é que o pagamento de um PJ seja maior que o de um funcionário CLT, ressalta o advogado Denison Leandro. Como a empresa não paga encargos trabalhistas, o prestador não tem os descontos do holerite, mas precisa tirar dinheiro do próprio bolso se quiser algum benefício.
Neste contexto, advogados trabalhistas costumam defender que é ilegal contratar como PJ e não pagar os direitos trabalhistas se o funcionário preencher todos os requisitos de um vínculo de emprego, que são:
Não eventualidade: quando o funcionário trabalha regularmente para aquela empresa, cumprindo os horários estabelecidos por ela;
Subordinação: quando se tem um chefe da empresa contratante e precisa cumprir suas ordens;
Onerosidade: quando se ganha um salário fixo;
Pessoalidade: quando o trabalho precisa ser feito por aquela pessoa específica, não sendo possível indicar um substituto para a prestação do serviço;
Alteridade: quando os riscos do negócio são de responsabilidade do empregador, ou seja, se o negócio vai bem ou mal, o salário do empregado é garantido.
Assim, quando os trabalhadores conseguem provar que preenchem os cinco requisitos, a Justiça do Trabalho geralmente reconhece o vínculo de emprego deles com a empresa, obrigando-a a pagar os direitos trabalhistas devidos.
“Nada mais é do que uma fraude processual. A empresa usa um contrato de prestação de serviço em detrimento do registro em carteira para não pagar os encargos trabalhistas, mas trata o funcionário como CLT”, resume Leandro.
Antes da suspensão dos processos, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) estava recebendo manifestações de interessados em discutir um tema para firmar uma tese que também passaria a ser aplicada a todos os processos em tramitação na Justiça do Trabalho.
O órgão queria definir se é válida a contratação de um PJ para realizar funções habitualmente exercidas na empresa por empregados CLT, e a mudança da forma de contratação de um funcionário já atuante.
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4. O que muda na prática para os trabalhadores PJ e CLT?
Inicialmente, a decisão do ministro Gilmar Mendes afeta apenas os trabalhadores e empresas que têm processos abertos na Justiça sobre o tema. As ações ficarão paradas por tempo indeterminado, aguardando a decisão do STF.
Já os trabalhadores que ainda pretendem entrar com ações relacionadas ao assunto podem aguardar uma decisão do STF para ver se abrir o processo faz sentido no seu caso, a não ser que o tempo dele de entrar na Justiça esteja perto de prescrever.
“Se estiver com a prescrição chegando, dos dois anos para ajuizar a ação, melhor entrar com a ação e o juiz vai receber o processo, mas já suspender o andamento”, explica o advogado Denison Leandro.
Além dos impactos imediatos, porém, alguns especialistas em direito do trabalho acreditam que, se o STF validar amplamente a pejotização, é possível que haja "uma migração em massa de contratos CLT para PJ, movida apenas por interesses econômicos", ressalta Rithelly Eunilia Cabral, advogada trabalhista do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados.
Nesse caso, muitos trabalhadores perderiam direitos garantidos pela CLT, o que contribui para a precarização do trabalho, afirma a especialista.
Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP) afirmou que a medida do STF preocupa a advocacia trabalhista por paralisar ações relevantes para a garantia de direitos fundamentais.
E defende que cabe à Justiça do Trabalho decidir sobre a legalidade da contratação de trabalhadores autônomos e pessoas jurídicas para a prestação de serviços analisando cada situação concreta.
Além da própria legalidade da pejotização, outro ponto que está sendo julgado pelo STF na ação que pausou os processos é a competência da Justiça do Trabalho para decidir sobre esse tipo de relação do trabalho. (leia mais aqui)
"A Justiça do Trabalho existe justamente para proteger a parte mais vulnerável da relação: o trabalhador. Ao transferir esses casos para a Justiça Comum, corre-se o risco de ignorar a realidade vivida por quem trabalha e se apegar apenas ao que está no papel", opina Cabral.
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5. A discussão também afeta entregadores e motoristas de app?
Não. O tema da “uberização” é analisado em outra ação no STF, sob relatoria do ministro Edson Fachin. O processo visa definir se há vínculo de emprego entre motoristas e entregadores e os aplicativos que eles utilizam para trabalhar.
Os temas da uberização e da pejotização se relacionam porque ambos envolvem formas alternativas de trabalho, explica o advogado trabalhista Marcos Fantinato, sócio da Machado Meyer Advogados.
No entanto, enquanto a pejotização trata da prestação de serviços por uma pessoa jurídica a uma empresa contratante, a expressão uberização surge para debater a precarização do trabalho nas plataformas digitais, afirma.
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